domingo, 19 de setembro de 2010

Heróis do mar

Em 1415, nasceu, em Ceuta, através do mar, o Império.
Oitenta e três anos depois, em 1498, após uma viagem longa e não isenta de perigos e constantes provações, Vasco da Gama realizou, finalmente, o sonho do Príncipe Perfeito e o destino da nação, as Índias, fazendo de Portugal um Império Global, algo que seria até 1975.
Novamente, pelo mar.
Cinco séculos volvidos, num paradigma do esquecimento (e falta de orgulho) histórico, celebrou-se o Dia Mundial do Mar. Foi no sábado, há dias portanto, e poucos souberam, poucos celebraram e ainda menos tiveram a cada vez mais louvável coragem de pensar e estabelecer uma relação entre o passado e futuro da pátria Portuguesa.
O destino de Portugal está assim, como esteve no passado e, notavelmente, nos momentos de maior grandeza nacional, indubitável e inexoravelmente ligado ao mar oceano, sendo que é precisamente esse o factor capaz de salvaguardar a independência portuguesa e de motivar um afastamento da tendência essencialmente centralizadora e federalizante de Bruxelas. O mar pode assim ser, como, aliás, sempre foi, o principal pilar emancipador da nação, a nossa fonte de auto-determinação.
Portugal tem assim, em parte devido à sua inclinação natural pela expansão através dos mares, aquela que é, actualmente, a terceira maior Zona Económica Exclusiva da União Europeia, ou seja, uma área submarina total de cerca de 1,727,408 km². No entanto, apesar da enorme extensão do mar português, a Marinha de Guerra nacional depara-se não apenas com uma total e absoluta obsolescência de meios mas também com uma tremenda (e assustadora) exiguidade de efectivos, dois problemas que, juntos, são factores essenciais para a situação crítica da Armada. Essa situação desesperada, que é verificável através de casos como o das Corvetas da Classe João Belo, todas elas encomendadas ainda pelo Estado Novo nos anos 60 e recebidas nos anos 70, e ainda em utilização, põe em sério risco, a curto prazo, a tentativa de expansão da ZEE Portuguesa, que poderá conter riquezas espantosas, e a médio/longo prazo, a nossa permanência na actual ZEE nacional cujas consequências não serão nefastas não apenas para a economia portuguesa, que com os incontáveis recursos provenientes da ZEE muito poderia lucrar, mas também para a própria independência nacional.
Não existem, actualmente, para as antigas potências imperiais europeias, nas quais se inclui Portugal, mais que duas opções: a escolha pela Europa e pela subsequente integração política/federalização do continente, ou, por outro lado, a escolha pelo mar, o corte com o velho continente e a aposta no oceano e ao que ele leva, o ultramar. O europeísmo opõe-se assim, indubitavelmente, ao atlantismo, sendo que qualquer tentativa de amenização do antagonismo intrínseco a ambas não passa de um eufemismo político de líderes sem vontade com medo de ferir susceptibilidades dos dois lados. Assim, a escolha pelo meio-termo, pelo paradoxo geopolítico, dificilmente poderia ser mais acertada que a opção pela UE e pela dependência total de Bruxelas. Escolher o mar é escolher liberdade e total auto-determinação para o povo português, e é, acima de tudo, aceitar o legado de 900 anos de grandeza histórica, proximidade e amizade em relação ao mar.
Portugal é pois a talvez mais tradicional potência marítima europeia. No entanto, anos de desleixo e falta de interesse governamental em relação a essa dimensão fundamental, para não dizer central, do conceito de Portugalidade, reduziram-na à sombra triste mas altiva e orgulhosa que é hoje a Armada Portuguesa. Essa má e inequivocamente negativa política naval foi, sem dúvida, causadora de uma importante perda da capacidade marinha e submarina, mas tampouco foi peremptória ao ponto de fazer da recuperação naval algo impossível. A chegada a Portugal do primeiro navio da classe Tridente é assim um motivo de extraordinária relevância por significar a renovação da já obsoletíssima arma submarina portuguesa. Peca, porém, pela exígua quantidade de submarinos, com que dotará a Marinha do país cuja ZEE é a terceira maior da União: apenas dois. Por outro lado, outras potências marítimas europeias, com águas por ventura significativamente menores, como a Espanha, os Países Baixos, o Reino Unido e a França, podem orgulhar-se de possuir frotas muito mais impressionantes, tendo esses países 12, 4, 17 e 17 submarinos ao serviço nas suas forças navais, respectivamente. Portugal, apesar de os seus mares serem mais extensos e estrategicamente mais necessitados de protecção submarina pôde contentar-se com apenas 2, menos que o mínimo de três prometidos à Marinha no final dos anos 90 e inicialmente encomendados pelo então governo socialista de António Guterres.
É urgente Portugal aceitar como sua uma das características que mais intrínsecas lhe são: a sua dimensão oceânica. Não é certamente um acaso histórico nem tampouco um capricho dos reis e senhores feudais da época aquilo que Portugal, e o seu povo, conseguiram através do mar.
No entanto, mais que um vestígio de um passado indiscutivelmente glorioso, a escolha pelo mar e pelas relações de amizade e cordialidade com os estados do ex-ultramar, o atlantismo, afirma-se cada vez mais enquanto solução para a questão fundamental que é a da manutenção da real independência de Portugal enquanto estado livre e soberano, assim como para a viabilidade económica do estado português através das imensas riquezas disponíveis no fundo do Atlântico que nos foi reservado e que nos arriscamos a perder, a médio/longo prazo devido à falta de investimento nas forças navais.
Assim sendo, Portugal deve ter a coragem de, como fez há seis séculos, embarcar na aventura da descoberta do seu mar, como ocorre actualmente, embora de modo diferente, e rebasear a sua independência naquilo que, historicamente, sempre a garantiu: não a UE, Bruxelas ou o neo-federalismo europeu do fascista britânico Oswald Mosley, mas, por outro lado, o oceano, que, ao contrário da Europa que constantemente o humilhou, sempre o fez grande.

Rafael Pinto Borges