domingo, 13 de fevereiro de 2011

Democracia Islâmica?

Democracia Islâmica?

Fala-se numa nova Primavera de Praga, numa revolução húngara de 1956, mas em 2011 e no Egipto, e até se compara a Irmandade Muçulmana ao movimento Solidariedade que, liderado por Lech Walesa, contribuiu indelevelmente para a queda do império totalitário comunista por todo o planeta. Sem dúvida, o mundo está a mudar e está a fazê-lo mais rapidamente do que poderia esperar-se. Eu, pelo menos, estou surpreendido com a rapidez que estas mudanças que, sendo inevitáveis, dificilmente seriam previsíveis. Nem a Mossad as previu.
Nas últimas semanas, uma série de protestos que, ao adquirirem uma maior importância e visibilidade, alcançaram também o estatuto de revolução, varreram o mundo muçulmano fazendo cair dois (ou três, dependo de uma análise pessoal da situação) regimes seculares autoritários aliados do Ocidente. O mundo, esse, assistiu surpreendido, chocado e entusiasmado aos protestos românticos, quase heróicos, que, por toda a Ummah, a comunidade muçulmana, se desenrolaram. Eu próprio, devo admitir, gostaria de ver Sócrates fugir ao ouvir os gritos dos portugueses, pelo que até compreendo esse entusiasmo.
Lamentavelmente, porém, essa visão fácil, romântica, pueril e idealista dos recentes acontecimentos no Médio Oriente, a do povo oprimido que se levanta, súbita e orgulhosamente, para se libertar dos grilhões de totalitarismo e sofrimento que o prendem não corresponde, de todo, à verdade.
De facto, há uma série de questões que ninguém parece estar a conseguir pôr. Por exemplo, não é curioso que a presente vaga de protestos esteja a acontecer principalmente nos países cujos governos são aliados do Ocidente ou alinhados com a política externa de Washington e que, por outro lado, as manifestações nos países notoriamente contrários às democracias ocidentais (como é o caso do Irão e da Líbia) sejam tão pequenas e insignificantes que estejam a ser abafadas pelas demonstrações de apoio às respectivas ditaduras? E, acima de tudo, não é estranho que os movimentos que estão, efectivamente, por trás dos “movimentos pró-democracia” (a Irmandade Muçulmana, por exemplo, associada à al-Qaeda e o Hizb-ut-Tahrir, que luta pela construção de um califado mundial com a Lei Islâmica, a Sharia, como única fonte de legislação) se manifestem não contra um qualquer poder tirânico ou opressor mas sim contra aquilo que rotulam de “governos sionistas” aliados de Israel, dos países europeus e dos Estados Unidos?
Assim, será mesmo que as várias revoluções árabes são, como os seus líderes afirmam, revoltas populares pela democracia ou que, pelo contrário, não passam de uma repetição da Revolução Islâmica de 1979 no Irão? Revolução que, exactamente como estas, parecia, inicialmente, ser um prelúdio para a democracia mas que era, afinal, apenas a primeira parte de uma ditadura bem mais brutal, perigosa e repressiva que a anterior.
No entanto, apesar do rude golpe que representa para o Ocidente, o principal prejudicado com a queda do regime egípcio, tunisino e, em boa parte, do jordano que, para salvar a sua monarquia, chegou ao ridículo de pedir à Irmandade Muçulmana para fazer parte da coligação governamental, é o Estado de Israel. Com efeito, as coisas não vão bem para o Estado judaico que, tendo perdido a sua principal aliada, a Turquia, devido à crise despoletada pelo ataque à “Frota da Paz” e, agora, o Egipto, com a queda do regime de Hosni Mubarak, se encontra progressivamente mais rodeado por países onde o radicalismo islâmico é cada vez menos uma característica pitoresca da região em que se inserem e cada vez mais uma força política a temer. Israel encontra-se, assim, na pior situação geoestratégica desde a Guerra do Yom Kippur, nos anos 70, à deriva entre a expectativa utópica e irrealista de um futuro democrático para uma região cuja religião da grande maioria dos habitantes, o Islão, é, por definição, oposta à democracia, e a bem mais plausível radicalização religiosa dos países limítrofes.
As (verdadeiras) democracias ocidentais devem, pois, manter uma postura tão céptica quanto possível em relação aos protestos que, dizendo-se pró-democracia, podem tornar-se na primeira parte de um capítulo de perigos e riscos à sobrevivência da civilização ocidental.
Já caímos no truque da “Democracia Islâmica” uma vez, quando demos asilo ao Ayatollah Khomeini e festejámos a vitória dos seus partidários no Irão. Não convém que o façamos de novo.

Rafael Borges